Não é a toa que escutamos o velho trocadilho ‘aborrecência’ para assim falar da idade do florescimento humano. Nossa tão caótica natureza, não podia abandonar o lúdico momento da infância e mergulhar na realidade maliciosa da vida adulta, sem que por isso passasse antes por uma travessia revolta e cansativa.
O adolescente não tem tamanho, não tem espaço, não tem definição. Pode calçar 43 e menstruar, mas não pode assinar por si, nem votar, nem dirigir. Também estão vetadas as brincadeiras com bonecas, carrinhos, e o que sobra é um desconforto do não-lugar. O que é um adolescente? Sua rebeldia está talvez na urgência em se dar esta resposta, em se reconhecer, e adquirir um espaço e um tempo para si.
O nosso bom ‘aborrecente’ mora num espaço de entrelinhas, das sobras de um ciclo que se fecha para uma promessa de uma fase que ainda está por vir. Os pais sofrem, a escola reclama, a sociedade rotula, mas no final das contas, eles continuam numa esfera bem específica de uma fase onde o amparo da infância não está mais disponível, enquanto que a autonomia adulta ainda mora longe. E ainda carregam uma culpa hormonal por sua ânsia de vida e sua busca por saber quem é.
É nesta procura por uma identidade que eles se rearranjam em grupos ensaiados entre eles mesmos, apoiados em modas passageiras que a mídia fornece, por de trás de uma imagem de uma herói de sagas, de um artista pop com seu estilo onde possam se se espelhar, em lindos galãs que ilustram bem o ideal de príncipe, e por aí vai... Sim, falta ao adolescente personalidade. Falta porque de fato é uma fase que não oferece identidade. Por ser fase de transição, o indefinido mora nessa idade que vai mais ou menos dos doze aos dezessete. A voz não sabe se quer ser fina ou grossa, os pelos começam a surgir tímidos, os seios às vezes demoram para crescer enquanto o da amiga ao lado cresceu tanto... O adolescente carrega o estigma de ser ‘tão difícil de lidar’, e o que o adulto não percebe é que difícil é ser ele. Difícil demais não se saber quem é. E é nesta dolorosa viagem rumo à vida adulta, que nossas ex-crianças se juntam. As tribos adolescentes, fechadas em seus quartos, penduradas sobre computadores e telefones, são apenas o encontro de outros alguéns que sofrem como ele. Cria-se comunidades, com leis próprias, gírias e vocabulários bem personalizado, brincadeiras , estilos e comportamentos patenteados por aqueles que não podendo assinar por si, assinam em grupo por uma identidade não pessoal, mas coletiva. Sim, porque só entre eles mesmos é possível encontrar alguma espécie de lugar pra si.
Os pais, na sala de casa, reclamam que seus filhos passam maior parte do tempo trancados no quarto, e que só querem saber dos amigos, e de adquirir e consumir o que está na moda. Sim, é claro que a mídia aproveita essa confusão e fazendo um papel de advogado do diabo, alimenta este desamparo, oferecendo uma pseudo-resolução através da moda, da cultura teen, e dos artistas criados especificamente para este mundo. Mas quanto a isso, os pais estão impotentes. Assim como nós adultos também estamos para com um monte de coisas. A questão agora é outra. É compreender que por de trás daquele jovem que bate a porta, fala com trejeitos e gírias, reclama de um monte de coisas, acha tudo cafona, tem vergonha de mimos em público, exige liberdade e chora feito criança diante de um ‘não’, há por trás disso tudo uma natureza selvagem da liberdade pueril buscando se adequar a um mundo que exige normas muitas vezes incoerentes, e estes jovens humanos, sem definição de direitos e deveres, carregam uma mochila bem pesada em suas costas. E de lá saem a curiosidade pela vida nova, o luto pelo deixar de ser criança, as transformações visíveis em seus corpos, a busca por um novo molde de rotina, precipitando-se em encontrar a roupa adequada, o gosto admirável, o comportamento que o salve do bullying...
Já se sabe de muito tempo que “Crescer dói”, então, caros adultos, lembremos do fardo pesado que é esta fase para os próprios, e sim, dêem limites, eduque-os e dê amor. Mas nunca se esqueçam que quando eles se sentem os serem mais incompreendidos do planeta, é porque de certa forma, de fato, eles são. Incompreendidos para eles mesmos. Apoie seu filho nesta autodescoberta para a vida adulta, e não reclame muito. Quem tem motivos para reclamações são eles, que entre tantos pode, não pode, deve, não deve, não se sabem como sujeitos, e urgem por uma identidade. É tempo de travessia, e o caos a tudo permeia. Assim é ser adolescente, um ser que não tem voz social, mas quer gritar para se ouvir.
Por Catherine de Almeida Plata
Psicóloga
CRP: 05/42594